Após a demonstração técnica de que a entrega anônima de armas na nova campanha de desarmamento do Ministério da Justiça não era compatível com a legislação vigente, o Governo Federal alterou o decreto nº 5.123/04, para suprimir de seu artigo 70 a exigência dos dados do portador na guia de trânsito que autoriza o deslocamento para a entrega das armas. Pela nova redação do dispositivo, cabe ao Ministério da Justiça estabelecer quais são os requisitos que constarão do documento, o que também já foi feito, através da portaria nº 797.
Tal norma, ao fixar os critérios para a entrega das armas, deixou como facultativa a indicação dos dados do emitente na guia de trânsito. Na prática, isso criou uma autorização de transporte “ao portador”, ou seja, não há mais como saber se a guia foi emitida por um cidadão de bem, realmente no propósito de entregar a arma ao governo, ou, por exemplo, por um criminoso que pretenda circular com uma arma sem o risco de ser preso por porte ilegal, um integrante de quadrilha que queira mudar seu arsenal de local, ou mesmo um contrabandista de armas que ingresse no país clandestinamente, com sua “carga” coberta por um documento oficial. Todos foram igualados.
Já se receia, inclusive, que traficantes emitam guias de trânsito para seus arsenais criminosos e as entreguem a pessoas de “ficha limpa” que estejam sob seu jugo – situação comum nas comunidades comandadas pelo narcotráfico – a fim de que estas os mudem de lugar sem que haja risco de prisão. Afinal, os locais de guarda dos armamentos dos criminosos são um de seus pontos vulneráveis e precisam estar em constante modificação, o que, agora, se pode fazer com chancela do governo.
É certo que a desculpa de estar indo entregar a arma compromete sua posse, pois quem for abordado nestas circunstancias poderá perder o material transportado, podendo até ter que entregá-lo coercitivamente, sob acompanhamento de um agente policial. Contudo, mesmo nesta situação, ainda que criminoso seja, o transportador ficará impune. Trata-se, pois, de um verdadeiro salvo-conduto para a circulação de armas no país, somente fortalecendo o que, isso sim, aflora como causa incontestável da acachapante violência urbana em que este está imerso.
Novamente, o governo reitera sua tônica de responsabilizar a coisa – a arma - e isenta de qualquer responsabilidade o agente, o criminoso que puxa o gatilho, costumeiro alvo de sua complacência. É a pura e já sem graça solução de tirar o sofá da sala para evitar a traição.
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